Auto-Retrato (v3.0)
Em páginas brancas,
nem sempre em branco;
pergunto: há fim ou começo?
Quem, onde, como?
Seria eu uma Panaceia?
Pajé para todos os males?
Trajando vestes brancas de algodão fino
espalhando saúde enlatada?
(com direito a devolução num prazo de 30 dias a partir da compra)
Ou seria eu o ceifador da pós-modernidade?
Petrificando com palavras a felicidade alheia?
Espalhando a inconveniente verdade: não há deus,
nem vida, nem morte.
Só há nós - na garganta, no peito, entre nós.
Há voltados, para nós, os olhos do abismo.
Profundos tão quanto o vazio da alma.
Assustadores como nós.
Eu, paro, olho.
Seria Hades ou Esculápio.
Nenhum.
Sou ambos os todos.
Sou as gotas de orvalho pela manhã.
O Sol que castiga a nuca ao meio-dia.
O sereno que encobre o pôr do sol.
O calar da noite.
Sou o café morno.
A moeda de um centavo.
A ponte interditada.
O homem que faz disto seu tesouro e casa.
Sou tudo que os olhos não tocam,
o nada que sempre está presente.
Onde todos estão,
mas ninguém é.
Neste mundo de plástico, à venda,
sou aquilo que não se pode comprar.
Aquilo que prateleira alguma contém,
Que infinitas parcelas não trariam.
Sou o pai que cuida.
O marido fiel.
A maré que carrega.
A brisa que leva o calor embora.
O que sou, afinal?
Nada. Tudo.
Não existo.
Existir, hoje, é uma mera formalidade contratual.
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