segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

2010.1

Meus queridos,

Este pequeno texto é uma forma de agradecimento. Uma forma de devolver uma parte do carinho inestimável presente no convite que recebemos. Gostaríamos ainda, que ao ouvir essas palavras, um pouco da ansiedade e do medo inerente a esse momento fosse embora. Gostaríamos que essas palavras os tratem, da mesma maneira como as suas já trataram tantas outras pessoas em momentos delicados.
Primeiro: vocês vão errar. Na verdade, o dia de hoje é um reconhecimento disso. Uma celebração por todos os erros superados. Celebrar o erro é celebrar o aprendizado. Porque antes de serem médicos, vocês são humanos. E é isso que nós, pequenos humanos, fazemos: nós erramos. Todos os dias. É parte do que nós somos e sempre será. Isso não faz de vocês piores médicos. Disse-nos uma vez um de nossos professores: "o bom médico não é aquele que acerta, mas aquele que carrega a dúvida consigo. Este, sem dúvida, estará fadado a ser um sábio."

Segundo: vocês não estão sozinhos. Uma das vantagens dessa nossa era completamente louca por tecnologia é que é praticamente impossível ficar sozinho! Vocês terão uns aos outros, e outros médicos, e enfermeiros, e professores, e fisioterapeutas, e nutricionistas, e todos os outros que possivelmente podem lhes ajudar ou lhes ensinar algo no alcance de uma tela sensível a dedos! É que as vezes é difícil perceber o que não estamos ouvindo ao nosso redor; e no final é tão mais fácil do que poderíamos imaginar. Porque as vezes é preciso abaixar a guarda, ficar em silêncio, e ouvir. Apenas ouvir. Ouvir é o melhor jeito de não estar sozinho. É a forma de amor que nós, médicos, podemos dar - ouvir.

Terceiro, e por último (juro): não tenham medo. O mundo em que vivemos pode ser um lugar assustador, mas vocês aceitaram uma missão única: de aliviar o sofrimento humano. Não esqueçam de quantas pessoas nós já vimos deixar esta vida e o quanto aprendemos com cada uma delas. Não esqueçam da fé que as pessoas depositam nas suas palavras. Não esqueçam que elas, sozinhas, já tem o poder de tratar - as vezes, mais que qualquer droga. Depois de receberem seus diplomas, lembrem-se de todas as provações que vocês enfrentaram até aqui. De o quão incrivelmente difícil foi chegar ao final desse curso. De tudo que vocês aprenderam. Encham seus corações de vida, e digam, em alto e bom som para o que o mundo possa ouvi-los: somos médicos.

Com amor,
Arthur, Felipe e Rayssa.


Obrigado.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Cap 1. Trem

O odor de papel envelhecido rapidamente o intoxicou ao abrir aquela pasta. Intoxicou-lhe com o passado, que como uma droga endovenosa tomou-lhe o corpo numa tempestade de sentimentos: saudade, raiva, desprezo, carinho. E talvez até amor, quem sabe. O trem agora não parecia mais se mover, bem como o tempo.

"Você chegou rápido demais. Só deu tempo de escrever que te amo - 26/fev/2012" - "Hmm. Ela sempre preenchia com a data" - pensou, com um sorriso tímido e com os braços invisíveis da ex-amante ao seu redor.

Talvez esse tenha sido o problema de Edward. Os eventos sempre lhe foram rápidos demais. Sempre ocorreram quando não estava preparado. Em seus pensamentos, gastou tempo demais divagando sobre a filosofia pós-moderna industrialmente desenhada para preencher o vazio da alma humana (quando o capital não era capaz de fazê-lo, naturalmente). Não cresceu para fora; apenas para si.

O grosso ar da Alemanha central agora ficara leve como as memórias. Memórias são como as águas da chuva. Vez ou outra, gostaríamos que ficassem. Mas, no fim do dia, todos nós precisamos secar nossas roupas, por nossos chapéus e voltar ao trabalho. E pra isso, elas tem que ir embora.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Reza Forte.

Oração ao vento para tempos difíceis

Minha amada,

pediste-me uma oração. Sabes pois que não é de meu feitio orar. Porém, como sou incapaz de lhe dizer um "não" - principalmente quando teus pedidos vem de dentro da alma - escrevi o que se segue:

Rezo eu, de todo o coração, para que as dificuldades permaneçam. Quem permaneçam conosco até que possamos superá-las, juntos.

Rezo eu, de todo o coração, pela distância. A distância, hoje tão larga, proporciona reencontros apaixonantes. Que nossos reencontros aconteçam todos os dias quando estivermos sob o mesmo teto.

Rezo eu, de todo o coração, pela morte. Andar ao lado dela faz com que eu me agarre completamente a vida. E queira cada vez mais dividir esta única que nós temos ao teu lado.

Rezo eu, de todo o coração, para que o que quer que seja que há (se houver), acredite em mim quando escrevo:

eu te amo,
sempre amarei,
e te desejo toda a força
para que com suas (belas) pernas
possa caminhar ao meu lado.

Agradeço aos ventos que te trouxeram.
A sorte que me é concedida.
E rezo, de todo o coração, para que soprem nosso amor à vela.
Nesse imenso mar que é a vida.
Nesse incerto mar que é o futuro.

Com amor,

A.

Auto-Retrato

Auto-Retrato (v3.0)

Em páginas brancas,
nem sempre em branco;
pergunto: há fim ou começo?
Quem, onde, como?

Seria eu uma Panaceia?
Pajé para todos os males?
Trajando vestes brancas de algodão fino
espalhando saúde enlatada?

(com direito a devolução num prazo de 30 dias a partir da compra)

Ou seria eu o ceifador da pós-modernidade?
Petrificando com palavras a felicidade alheia?
Espalhando a inconveniente verdade: não há deus,
nem vida, nem morte.

Só há nós - na garganta, no peito, entre nós.
Há voltados, para nós, os olhos do abismo.
Profundos tão quanto o vazio da alma.
Assustadores como nós.

Eu, paro, olho.
Seria Hades ou Esculápio.
Nenhum.
Sou ambos os todos.

Sou as gotas de orvalho pela manhã.
O Sol que castiga a nuca ao meio-dia.
O sereno que encobre o pôr do sol.
O calar da noite.

Sou o café morno.
A moeda de um centavo.
A ponte interditada.
O homem que faz disto seu tesouro e casa.

Sou tudo que os olhos não tocam,
o nada que sempre está presente.
Onde todos estão,
mas ninguém é.

Neste mundo de plástico, à venda,
sou aquilo que não se pode comprar.
Aquilo que prateleira alguma contém,
Que infinitas parcelas não trariam.

Sou o pai que cuida.
O marido fiel.
A maré que carrega.
A brisa que leva o calor embora.

O que sou, afinal?
Nada. Tudo.
Não existo.
Existir, hoje, é uma mera formalidade contratual.

Receita

Receita Médica

Prescrevo,
uma dose de diálogo,
entre suas mágoas e medos
para que teus olhos sintam
o espectro de paz que emana de ti.

Uso oral,
um sorriso tenro,
conjurado por entre lágrimas ligeiras
que escapam aos olhos,
2x por dia, de 12 em 12h

Dose irrestrita,
para que a saudade - esta o fator etiológico destas gotas de coração
- possam secar em paz,
com estes medicamentos testados e aprovados pela ANVISA.

(A. é médico no tempo livre)

sábado, 17 de outubro de 2015

Pulverizar

Cada silêncio seu ecoa em minha mente. Cada segundo sem resposta, a suposta “paz” do silêncio é erradicada dentro de mim. Creio que a futura senhora não imagina o caos que provoca cada vez que, infantilmente, sofre com as chagas do seu passado. Não que eu a culpe, afinal, sou tão sensível quanto. Mas até quando pensas que vai escapar impune com este comportamento.

Eu nunca escrevi sobre suas crises. Chega. Cada vez que você paralisa, paralisa todos ao seu redor. Quero muito que percebas que o mundo real não é assim. Parar lá fora significa ser deixada no caminho. Pisoteada, sem piedade. Mamãe não vai te arrancar banheiro afora e dar-lhe comida na boca. Honestamente, meu amor, nem eu.

Quero que cresça ao meu lado. Assim como cresço do teu. Mas a verdade: crescer dói. Dói na mente, no corpo. Faz-nos chorar e sorrir – afinal, quem disse que a dor não pode ser prazerosa. Mas eu precisava por pra fora a raiva que sinto quando você, egoisticamente, se tranca em seu castelo, deixando o seu mais apaixonado súdito de fora.

Você nem começa a imaginar, nem nos seus piores pesadelos, o pesar que paira sobre esta besta que a ti escreve. O tormento imposto pelo seu ímpeto de fugir das falhas. Pare de fugir, meu amor. You can’t run away forever!


Tudo que quero é que possa caminhar ao meu lado. Ao meu lado. Não arrastada, não obrigada, não carregada.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

As Marias, Joanas e as Marias Joanas: Amsterdã

Querida Rosie,

                peço perdão pelo tardar da resposta. Estive experimentando algum intempérie sentimental, que resultou num bloqueio criativo. Sei que criatividade não deveria ser necessária para escrever uma carta, mas não me sentiria bem em enviar uma carta mal redigida a você.
                Não vi gordas, ou sombras. Mas talvez não tenha visto porque não tenho prestado atenção o suficiente. Tenho andado por muitos cantos, tentando ouvir mais vozes e achar o que vim procurar aqui.
                Chove muito e venta nesse Valentine's day; admito que parte do atraso final foi para deixar para escrever essa carta no dia de hoje (por qualquer romantismo que seja). Quem sabe uma coruja não lhe entrega uma flor por mim?
                Encontro-me em Amsterdã, no presente momento; a cidade dos diamantes. Embora não sejam eles que me interessem verdadeiramente, mas sim as mulheres e os homens que os vestem. Raros são as coisas materiais capazes de realmente manter minha atenção. Principalmente depois de algumas leituras recentes sobre antropologia.
                O museu de Van Gogh é magnífico, bem como a casa de Anne Frank. Embora o sentimento promovido por esta última não seja algo exatamente agradável, é sem dúvida intenso. O álcool é farto, os ônibus pontuais a erva, boa. Não posso me queixar de nada. No máximo, de alguns donos de bar sem senso de humor.
                Falando em estudo das sociedades, parte-me o coração não estar em nossas terras natais nesse momento. Os acontecimentos recentes me fazem temer pela segurança daqueles que se posicionarem a favor dos direitos humanos, ou até incautos que estiverem, no momento errado, no lugar errado. Tenho medo do ano que vem a seguir, e mais ainda por não estar onde eu deveria estar nesse momento.
                A nossa cruz vermelha deveria fazer algo para num momento de tanta tensão e fragilidade, os valores humanistas fossem promovidos . Gostaria de estar aí para promover essa ideia. Imagino que você não esteja tendo tempo para isso, visto que agora cursa duas faculdades.
                De qualquer forma, peço gentilmente que tome cuidado enquanto estou longe demais para cuidar de ti, pequenina. Cuidado com tempos revoltos; eles são especialistas por tirar algo de nós quando menos esperamos.

Com Amor,

A